terça-feira, 2 de março de 2010

Orfeu

Qualquer nervo pulula em mim. Pulula ritmicamente com uma música cega que vem de qualquer cavidade do meu ser. Esse ocaso que sou é apenas a moldura de um vácuo. Vim de terras muito profundas, do Submundo, tragado por uma corola fui arrastado para um emaranhado de vis raízes. No mundo dos vivos essa minha sinfonia não teria resposta no vazio, doce univitelino verde que é o eco dos tons. Já aqui, no Submundo, o vazio tem o seu lugar, tem réplica de sangue, xilema e floema. Aqui a minha música tem o seu lugar. Hades me concedeu gentilmente a beleza do caos, do inacabado, do gasto, do desnutrido, do erodido. E minha música vai causando miasmas e contorções em tudo que toca. Eu não quero mais emergir, eu não quero mais voltar. Tudo lá em cima é um simulacro, e aqui é uma grande argamassa de escuridão e selvageria, mas meus acordes conseguem alcançar a coifa, o ponto último e final de tudo que existe. Um feixe de luz e a vejo enfim. Posso emergir apenas por um caminho uníssono, embora não unilateral.Há vários lados nesse círculo, e então hesito qual lado seguir. Caio na inércia. Eu fico é com a tensão delicada da minha lira,com o frágil equilíbrio de uma membrana tesa.

2 comentários:

  1. Belo, sensível, singular, comovente. Você, cada vez mais profunda!

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  2. Hummmm muito bom!
    Vc está se encontrando no universo; de uma menina assustada como esquilo está brotando uma mulher vigorosa como uma águia. Enquanto uma parte sua se derrete em gotas que formarão uma enorme estalactite, outra se solidifica como uma espada pontiaguda que a libertará das amarras que te prendem a algo parecido com o nada.
    Apenas siga em frente! Coloque antolhos, se preciso for, para não se desviar desta bela caminhada.

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