terça-feira, 26 de março de 2013

Ronda noturna


O que me restou são essas imagens que me assaltam madrugada adentro. Recordações. Imagens caleidoscópicas e sensuais. Recordações que tanto podem ser do passado quanto do futuro. Isso porque, devo explicar, sofro de anacronismo genético e de nostalgia congênita, de coisas que não aconteceram e possivelmente nem irão acontecer. Apago a luz, deixo a lâmpada da cabeceira acesa. Gosto da penumbra. A escuridão deixa tudo demasiadamente plano, e eu não quero você geométrica, cartesiana. Quero você pulsante, transbordante. Já a luz em excesso me dói os olhos. A penumbra cai bem pro meu paladar escorpiano. A minha ideia de ti é sempre incompleta, imperfeita.  Só o meu tato que permanece agudo como uma estaca de gelo.  Agudo, ângulos, geometria...não, não se trata de geometria. Trata-se de som, de ruídos, ondulações - de novo vida pulsante. O agudo do canto das Dríades que habitam as relvas, possivelmente a mesma música que Keats apreciou tempos atrás*. Música anciã que atravessou chuvas e terras molhadas até chegar à minha geração. Mas a visão ainda é imprecisa. Será a miopia? De repente ela se lembrou daquela passagem de McLuhan: “A meia de seda de malha larga é muito mais sensual do que o nylon macio, porque o olho manipula, preenchendo-a e completando a imagem”. Eu não sei se eu estava usando meias de seda. Só sei que se estava, elas se perderam nas noites de luz baixa, entre as colchas do meu quarto.


* "That thou, light-winged Dryad of the trees
In some melodious plot
Of beechen green, and shadows numberless,
Singest of summer in full-throated ease.”