O que me restou são essas imagens que me assaltam madrugada
adentro. Recordações. Imagens caleidoscópicas e sensuais. Recordações que tanto
podem ser do passado quanto do futuro. Isso porque, devo explicar, sofro de
anacronismo genético e de nostalgia congênita, de coisas que não aconteceram e
possivelmente nem irão acontecer. Apago a luz, deixo a lâmpada da cabeceira
acesa. Gosto da penumbra. A escuridão deixa tudo demasiadamente plano, e eu não
quero você geométrica, cartesiana. Quero você pulsante, transbordante. Já a luz
em excesso me dói os olhos. A penumbra cai bem pro meu paladar escorpiano. A
minha ideia de ti é sempre incompleta, imperfeita. Só o meu tato que permanece agudo como uma
estaca de gelo. Agudo, ângulos,
geometria...não, não se trata de geometria. Trata-se de som, de ruídos,
ondulações - de novo vida pulsante. O agudo do canto das Dríades que habitam as
relvas, possivelmente a mesma
música que Keats apreciou tempos atrás*. Música anciã que atravessou
chuvas e terras molhadas até chegar à minha geração. Mas a visão ainda é
imprecisa. Será a miopia? De repente ela se lembrou daquela passagem de
McLuhan: “A meia de seda de malha larga é muito mais sensual do que o nylon macio, porque o olho manipula,
preenchendo-a e completando a imagem”. Eu não sei se eu estava usando meias de
seda. Só sei que se estava, elas se perderam nas noites de luz baixa, entre as
colchas do meu quarto.
* "That thou,
light-winged Dryad of the trees
In some melodious plot
Of beechen green, and shadows numberless,
Singest of summer in
full-throated ease.”