sábado, 21 de julho de 2012

Fausto(Uma rapsódia jurídica)


- Cara, ninguém mandou você ter aceitado por causa daquela mulherzinha. Contrato é contrato, agora tem que cumprir. É o pacta sunt servanda, saca?     

Coitado do diabo, dando uma de esperto com um estudante de direito recém-formado. O diabo é sábio porque é velho, mas o estudante de direito é jovem, mas estuda direito.

- Você está por fora, rapaz. Os tempos mudaram. O neoconstitucionalismo está aí.

- E eu com isto? Não tenho nada com Constituição. Só sei que a gente fez um pacto, agora tem que cumprir o contrato. Você teve o que você quis, a Ana, dinheiro, poder. Agora falta a minha parte. Não tente passar a perna em mim, não, conheço pessoas como você.

-Pois é, mas o Senhor nunca ouviu falar em função social do contrato?

-Vai querer me dar aula agora? Eu sei dos meus direitos. E eu tenho direito à tua alma.

-Acontece que esse contrato visivelmente desfavorável à parte hipossuficiente, no caso, eu...

- Que é que cê tá falando, cara? Cê ganhou dinheiro à vera.

-Eu sei. Mas foi por um período muito pequeno comparado à eternidade em que eu vou ficar trancafiado sofrendo as agruras do Inferno. Isso não é nada razoável.

- E o que você sugere? Levar o caso ao Tribunal Internacional? Quer dizer, Sobrenatural? (risos)

O Sete Caras usou de sarcasmo. Mas uma pessoa qualquer usa de sarcasmo para atacar, ele se utiliza desse artifício quando não tem mais nenhum recurso, acuado como um sapo que, assustado, aciona suas glândulas parótidas jorrando veneno no agressor. Sentia que, pela primeira vez, poderia fracassar. Os tempos estavam mudados.

- Se existisse. Podemos formar um ad hoc. Quer chamar Atena pra julgar? (risos)

Qualquer especialista na guerra de oratória sabe que sarcasmo se responde com sarcasmo.

  - Qual foi? Não temos aqui nenhum caso de pai que matou filha, filho que matou mãe ou coisa do tipo. Você sabe disso. Nossa questão aqui é contratual. É só cumprir. Você vê, eu não sou um cara tão mau. Só quero o que é meu de direito.

- “Lasciate ogne speranza, voi ch' entrate"

- Conheci esta peça, gente boa o cara. Mas por que essa agora?

-Argumento de autoridade. Não é justo, porque eu tive algumas horas de prazer, que eu tenha de passar uma eternidade sofrendo a Eterna Dor, entre almas perdidas... E outra: No portal, bem lá na entrada,  diz “Justiça moveu o meu alto criador”. Você se diz justo. Você acha isto justo?

- Errrm...Hummm

- Respondido. Além do quê, você já tem muitas almas. Mais uma, menos uma, não vai fazer diferença...

- O que você sugere então? Passear lá? (risos)

O clima já estava menos tenso. O Diabo parecia mais tranquilo e resignado.

-Por mim. Eu tenho de cumprir a minha palavra. Eu fico lá numa quantidade de tempo equivalente ao do dia em que a gente firmou o contrato até hoje, o que dá, no total, cinco meses, dois dias, três horas, vinte e seis minutos e quinze segundos.

-Ok.

O Diabo concordou, já de saco cheio. A prolixidade às vezes pode ser de grande valia.