“Os escrotos estão em toda parte”- dizia. Dizendo isto, Vautrin ajeitava os óculos que pairavam sobre seus pequenos e foscos olhos. “No Direito não será diferente. A única diferença é que o Direito é uma escrotidão institucionalizada, oficializada, e não aceita nenhum tipo de escrotidão paralela. A lei não é nada. Muitos teóricos já discorreram sobre esta falha, você já deve ter estudado. Lassale proferiu em sua célebre palestra de 1862 que a Constituição não seria mais do que um pedaço de papel. Bem antes, em 1651, Hobbes já salientava que os pactos sem a espada não passam de palavras. E os escrotos do Direito têm o respaldo da espada e compactuam tacitamente com a opressão das classes mais baixas da sociedade, a saber, os escrotos que não têm dinheiro”. Essas palavras, à primeira vista, parecem brutas para um jovem estudante, pronto a desbravar trilhas, entre artigos, incisos e alíneas trêmulas, vacilantes, e ostentar bandeiras em nome da justiça. Alea jacta est. Talvez Vautrin estivesse certo, talvez não. Talvez seus pequenos olhos opacos guardassem tamanha experiência e sabedoria, e por isso fossem opacos. O reflexo dos óculos ainda disfarçava essa tenaz amargura, como um feixe de esperança. Será? Não pretendo me corromper com o sistema ou compactuar com a escrotidão promulgada.E talvez ainda tenha muito o que aprender. Alea jacta est.
OBS: Vautrin vem do francês se vautrer(chafurdar). O nome vem da obra Le Père Goriot de Honoré de Balzac.