quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Voltar

Esqueci lá um par de brincos que já nem usava muito, mas vai virar a estação e pode ser que eu queira voltar a usar.
Preciso voltar e buscar.
Eu sou tão desorientada e por toda a estrada há vendinhas de cana
Onde um senhor boa praça oferece Pitú que desce ardendo como nós bem constatamos naquele dia.
Não é seguro andar embriagada ou excessivamente apaixonada
“Viajantes apaixonados se mostram assim tão distraídos e chamam a atenção dos saqueadores. Na estrada só tem chão, vendedores ambulantes e saqueadores.”-adverte o sujeito boa praça num falar assoviado entre o dente que lhe falta; “você que vem do Sul, precisa se alimentar e tomar cuidado. Ande só pelas sombras que o sol de meio-dia queima.”
E segui, sem dar ouvidos ao senhor simpático. Eu deveria ter escutado!
- uma nota de rodapé nesse chão de terra seca que o pisar tirou a fertilidade: os sábios só são sábios porque já viveram demais e a minha grande sabedoria é não escutar, fazer o que bem entendo e depois me arrepender porque só assim um dia serei sábia também-
 Os saqueadores fizeram com que nada mais eu tivesse a esquecer, pois já não tinha mais nada. E andar no Sol fez com que meu rosto ardesse e eu me senti tão satisfeita-inclino o rosto para cima, num convite-  porque a insolação parecia cair tão bem com as descrições que os poetas fazem de paixão.
Agora já não precisava de pretexto pra inventar e nem você de resgate pra cobrar.
Preciso voltar porque é lá que você está.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Cuidado com o Barravento!

Nem sempre a canção praieira é pra se ouvir embaixo de um coqueiro em Itapoã ou pra cair no colo de Iemanjá. E, como Vitor Serejo é um cineasta que faz música e um músico que faz cinema, valho-me da comparação: "Talefe" é como o corpo viril de Aruã, sempre na iminência de desandar um Barravento*. Em "Simplesmente Nós" o céu é azul e limpo e a brisa ainda faz carinho. Mas não tarde e em "Só" já avistamos um céu pedrento, cujo prognóstico nos dá a sabedoria popular: ou chuva ou vento. O mar se agita, e quem tem juízo só pode demonstrar reverência e respeito. O timbre grave de Vitor e os arranjos ousados de Augusto Feres nos convidam a tatear a música. Em "Rosinha do Céu", o mar das tempestades, o mar-potência de Jorge Amado subitamente torna a ser o mar que acaricia os cabelos, em um belo dueto entre Vitor e Aline Lessa. A presença feminina(lembrando que a mulher reina o mar)torna em "Salgado" -- não em voz, mas na lírica por trás da voz-- composição feita em parceria com Renata Machado: "Lágrimas são mares". Daí em diante, tudo é calmaria: podemos aposentar nossa rosa dos ventos. Tudo em "Talefe" é imersão.

*Conforme explicado pelo filme de mesmo nome "Barravento"(Glauber Rocha, 1962) é o "momento de violência, quando as coisas de terra e mar se transformam, quando no amor, na vida e no meio social ocorrem súbitas mudanças."

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

piada interna

e vem à tona aquela piada interna que costumava ser nossa e agora deixou de ser piada -- ontologicamente uma piada precisa de mais de duas pessoas para sobreviver. nesse mesmo instante deixo de ser uma pessoa bacana e me torno uma pessoa triste e obscura. pior: patética. penso em fazer qualquer coisa para tentar esconder de mim mesma que sou patética. penso: tem uma louça pra lavar, esse velho clichê de uma pretensa ocupação. vou lavar a louça. tudo que faço tem um ar desesperado- é horrível quando nos encontramos com nós mesmos. preciso relaxar: aposto todas as minhas fichas em uma voz doce e feminina. coloco fones de ouvido e a voz messiânica da vez é a de cat power. "lower me down/pin me in/ secure the grounds/ for the later parade". e tem aquela festinha mais tarde, mas tá tão confortável aqui. pra que conhecer pessoas novas? pra vir tudo de novo? logo agora que finalmente obtive algum êxito em estar em conformidade comigo mesma? não. meu travesseiro, meus fones, tudo aqui é muito gentil. e tem também meu gato. mas meu gato, não-- meu gato é tão de seguro de si que me faz ter vergonha de mim mesma. vou vê-lo, faço um cafuné e volto. decido, em foro inconsciente, que não vou à festinha, decisão essa que só será exarada a meu consciente amanhã, quando eu acordar, renovada. e também, ninguém vai ligar se você não for na festinha. "lower me down/ pin me in/ secure the grounds/ for the later parade"

quarta-feira, 4 de março de 2015

Fosse eu dirigir uma cena de fim do amor

“Segura na respiração! Agora não tem texto pra você se debruçar!”

Um ator profissional não precisaria de muletas. Um ator profissional não precisaria de um cigarro ou de um celular pra checar de cinco em cinco minutos. E os pés inquietos? Só se a cena pedisse e o diretor de arte achasse conveniente com outros elementos do quadro. Um ator de naipe saberia segurar a tensão da cena com apenas com inspirar expirar inspirar expirar...como é a respiração de quem sabe que vai deixar pra trás um pedaço de sua história?

Silêncio

Silêncio

Silêncio

Agora é a deixa. Isso a gente chama de deixa. É um sinal de que a bola tá com você. Falar alguma coisa. Esboçar alguma reação.

“Agora...agora você vai dizer esta fala para feri-la. Sim, você tem raiva. Dela e de si mesmo por ter acreditado nessa tolice. Mas na próxima fala, você ameniza, lembra dos momentos bons que vocês passaram juntos e lança um olhar terno. Mas cuidado, não esmoreça.”

Ok. Assim será.

As lágrimas rolam e não é cristal japonês.

“E agora, qual a intenção da personagem?”

Um abraço só cúmplice na medida em que essa cumplicidade é a  perspectiva do fim e que se teve fim é porque teve um começo. No mais, é cortante.

“Mantenham a tensão da cena. Faltou verdade naquela última passagem. ”

Talvez fizesse como Kubrick, fazendo vocês repetirem inúmeras vezes a mesma cena. Não por perfeccionismo, mas porque com a exaustão a ficha cai. Ou então seguisse uma linha mais Cassavetes, no improviso e no jazz, quem sabe um dia tudo se ajeita. No jazz e no improviso um dia a dor vai embora de vez. No jazz e no improviso você vai levando até aparecer um outro alguém pra você improvisar e ouvir um jazz.


Por ora, sigamos em frente, segurando na respiração.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Vai passar!


Vai passar. Um dia vai passar. Não sei quantos discos terão que rodar na minha vitrola- o fuso oficial das dores e das alegrias, não importa a longitude. Quantas manhãs para desbotar olheiras, ou quantas noites para compensar o silêncio que se impôs. Mas vai passar. Me garantiram que vai.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

já diria a Tia Berenice

já proclamava a Tia Berenice, com a qual nunca tive contato senão pela vividez das narrativas familiares,  em tom profético, - “Amor demais sufoca!”. consta nos autos da mitologia familiar que a mesma possuía características claras daquilo que hoje se convencionaria um transtorno de bipolaridade- idiossincrasias da ciência. eu, sempre muito dada a mitologias, que dirá uma tão particular e circunscrita às minhas vivências, pensei pesquisar a fundo. pode ser que tia Berenice dissesse isso em um momento de sensibilidade mediúnica, assim como a outra Tia que, diz-se, perseguia os chinelos que fugiam a seus pés, além de outros casos de incorporações, pais de santo e manifestações de seja lá quem estivesse no cavalo. pode ser, ao revés, que Tia Berenice dissesse isso nos momentos em que sua doença fizesse a graça de permitir um lampejo de lucidez - lucidez quando teima em não aparecer e resolve dar as caras é como fosse fenômeno mediúnico. seja que fosse, pensei na frase dita pela dita Tia. se amor demais sufoca, a que sorte de efeitos colaterais estaria sujeito amor de menos? tem dose adequada? é pra tomar a goladas ou administrar doses homeopáticas? 
sem resposta, continuei minhas buscas noutro tipo de mitologia, esta abrangente e difusa - a literatura e seus grandes ícones, deuses e deusas misericordiosos. na relação de deuses catalogados encontro a antologia de Fernando Pessoa, que exitosamente se subcatalogou em Alberto Caeiro e inscreveu em português-aramaico: “O amor é uma companhia”. e companhia é vigília e aconchego em prontidão.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Sobre Memória Tangerina- Mulheres Legendadas

Há tempos que eu planejava ver Memória Tangerina e que por alguma razão ainda não tinha visto. Podia ser aquela prova para a qual eu precisava estudar, o projeto de monografia que eu precisava esboçar, gravações e reuniões de grupo que eu tinha no meio da semana, decisões que eu tinha de tomar...Enfim, ou seriam essas obrigações cotidianas ou seria um tranca-verso qualquer que me impedia. A vida é cheia desses tranca-versos, e não é só para se mudar de cômodo, não. Existem versos para nos fazer mudar qualquer coisa. Tem aquele específico que é justamente pra nos fazer sair da nossa zona de conforto, tomar a iniciativa e mudar aquilo que queremos em nossa vida. E é esse que, na hora “h”, dá branco. Não porque não o saibamos, mas porque talvez, inconscientemente, não queiramos saber, por medo do incerto- alguns chamarão covardia outros simplesmente instinto de preservação. O filme do Dodô mostra que essa passagem é necessária, e, para que ela ocorra muitas vezes precisamos quebrar uns ovos e assassinar umas Clarices, pois se não não teríamos omeletes. Se precisamos ser fortes para isso? Uma Giulia lá atrás teria respondido convicta que sim. E é aí que Dodô, com um sorriso doce de quem sabe algum segredo e espera que o descubramos por conta própria, e com a altivez de quem está afiançado por um Tarkovsky, nos arrebata. Não, nos não precisamos ser fortes. A fraqueza pode nos ser uma grande aliada. Fraqueza e flexibilidade são atributos da vida. E é a nossa fraqueza, ao contrário do que diz o senso comum, que muita das vezes nos diz “Vamos!”. É a nossa fraqueza que nos embala com Caetano ou Pixies e nos fazer tomar as rédeas de nossas vidas. É a nossa fraqueza que nos diz que nós não precisamos entender, precisamos sentir. Eu, que desdenhava da minha própria fraqueza, agora aprendi a conviver com ela, e hoje, posso dizer que lhe sou grata. Sou grata por todos os “Vamos!” quando minha legenda dizia “Não vou”. Porque o que endureceu não pode vencer. E “Vamos!” é a minha palavra favorita. Obrigada Tarkovsky, obrigada Dodô! Obrigada a todos aqueles cuja sensibilidade dispensa legendas!