segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Sobre a embriaguez

Então, escrevo com calma. Se outrora, escreveria este texto com uma pena e mancharia as pontas dos meus dedos de tinta, sentindo seu sabor pelo tato. Sentiria meu texto pelo tato, uma espécie de braile para quem pode ver. Não ver, fitar. Sorver. Observar. Perceber a vibração com acuidade. A vida é um jogo sádico de espaço-tempo no qual o que nos importa não é saber como jogar, como mover nossas peças, mas quem fez as regras- se Deus, ou o Diabo, ou quem sabe alguma outra divindade qualquer. Que importa se um cavalo vale mais que dois peões? -B7. Que importa se o bispo só anda na diagonal?- D4. O que importa é proteger o rei-C9. Permaneço impassível e inerte nesse tabuleiro. Que me importa o teorema de Pitágoras, o binômio de Newton e até mesmo a Vênus de Milo? Que me importam Césares, Napoleões, Churchills, impérios, fronteiras, raças e credos?Xeque. Preciso me ater a Buddhas, Alás, Jeovás, Deuses, a mono ou politeísmos, entidades que se exibem em diversas formas. Atenho-me a eles porque é preciso proteger o rei. E pra proteger o rei é preciso ter o timing certo pra fazer a jogada certa-G3. “Omnia tempus habent et suis spatiis transeunt universa sub cælo” -“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.”, dizia o Eclesiastes. Vivo em nunc-stans, e portanto há tempo para todo o propósito.É o meu refúgio. Vivo no tempo messiânico de Benjamin, onde tudo acontece simultaneamente, daí não sinto o tempo passar. Acho que deve ter sido isso que Baudelaire quis dizer quando escreveu incitando as pessoas a embriagarem-se, de vinho, poesia, ou virtude, para não sentirem o fardo do tempo. A embriaguez é o meu nunc-stans. Graças a ela meu rei está resguardado, enquanto meus peões, cavalos e bispos singram pelo tabuleiro. Apenas ainda não me decidi de quê - de vinho, poesia ou de virtude.