quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Soldado Noguchi- um outro sonho

Desculpa, mas você morreu. Morreu nos meus braços, eu testemunhei. Morreu enquanto bebia dum leite quente e tenro, enquanto o sugava avidamente de meus seios incestuosos. Mas logo logo toda a sua volúpia láctea se condensaria, se fermentaria e se transubstanciaria no meu corpo. Um corpo antes delineado em curvas suaves, antes apenas nuance, agora é um corpo pesado, sinuoso, clandestino. Você não suportou o peso dessa estalactite abissal que incide pendular na sua vida. O adorno sobre o seu pescoço, o seu colar, era na verdade uma Boa constrictor.Nenhum toque nunca te deu tanto tremor, tanto espasmo. Tesão? Obsessão?Podridão? Uma sinonímia boba, supérflua, tudo uma taxionomia vã que só vai rotular essa latência conspícua que você experimentou comigo.Só eu sei os teus dispositivos ocultos.E você gozou da minha presença enquanto pôde. Se não fosse a fermentação.E aquela velha amargura, aquela antiga inquilina, volta a fazer casa em ti, e de vez em quando insiste em querer sair em golfadas. Mas, no fundo, você tem saudade. Você não queria ter conhecido como é sentir isso com alguém. Ainda mais alguém como eu, que vivo no pulso cru das profundezas. Sou um eco gutural que entoa do teu centro e ao atingir sua superfície(ou a lembrança de minha mão em tua pele) sofre reflexão e volta.Você não saberia sustentar isso.E agora o leite que posso te oferecer amargou. Seus pais não acreditam que você morreu.Eles acreditam ainda que alguém vai te oferecer o que eu te ofereci.E ainda te esperam, na sua casa, lá no fim do túnel. Mas você morreu. É um fato: você morreu.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O último dia de um suicida

Mas são tantas as opções, as possibilidades.Olha fixo para o pedaço de vidro que estava a sua mão no momento.Na cabeça de um suicida não há lugar para vírgulas, reticências aspas dois pontos ou travessões apenas para pontos finais flashes relances pensamentos tortos tortuosos cenas emolduradas por uma mente iconoclasta. A mente iconoclasta concentra em si todos os elementos do cosmos fogo água terra ar e tudo e todos conspiram contra si sufocando-a. Não é o sofrimento que alimenta essa mente é o vazio a impossibilidade de tocar o audível de não ver o palatável de não ouvir o incolor de não saborear o intocável. Um cansaço. O caco de vidro segue em suas mãos.Nessa hora é que vem o momento da interrogação. Mas nem a interrogação é interrogação é um ponto final camuflado. O que seria da vida dali em diante.Seria esse vazio a falta de liberdade os limites que a vida nos impõe. A morte não tem limites. A morte é uma linha reta infinda enquanto a vida é um segmento de reta e para o suicida um ponto. Se é final ou não já é outra história. Talvez não haja ponto final porque não há fim para o que não teve início. Só há início quando há sensação plena e liberdade para sentir.Talvez a mente suicida esteja mesmo fatigada de meias-sensações meias-cores meios-sons meios-sabores.A vida é subalterna à morte. Sempre foi assim e sempre será. O ponto impera sobre as vírgulas reticências e afins assim como a morte impera sobre o caleidoscópio de semi-sensações que é a vida. Só a mente suicida é capaz de compreender que o caos de cores no caleidoscópio são sentidos estilhaçados que as mentes comuns limitam-se a contemplar como expectadores isentos e insossos. O que ela quer é muito mais que restos farelos vestígios resíduos. Quer viver intensamente e caleidoscopicamente. O vidro na mão.Se há sangue ou não.