segunda-feira, 19 de abril de 2010

Exílio



". . . Deixarás tudo aquilo que te agrada
mais profundamente; é esta seta a tal
logo no arco do exílio disparada.

E provarás como é falto de sal
o pão d' outros, e como é dura estrada
subir e sair pelas escadas de outros."


Com essas palavras Cacciaguida profetiza a Dante seu exílio. Exílio de quê? Após traspassar as árduas e tortuosas estradas dos Condenados, provar do pão sem sal do Purgatório(já que não há tempero suficiente para que se possa ser rotulado por Bom ou Mau), ascender pelas divinas escadarias do Paraíso, poderia alguém ainda se sentir exilado?Há em mim uma vacância entre Eu e Mim. Sinto-me insossa como uma purgada. Ao sentir na carne a destemperança infernal, abruptamente me aproximo de mim. Lançada, caio de bruços. Sinto a febre de um encontro incestuoso. Um encontro a sangue vivo. Tenho medo da hemorragia incessante, de não voltar a mim. Que as plaquetas não deixem eu fugir furtivamente por estes poros. Esses poros que a espera pelo momento da coagulação estampou na minha pele. Sigo exilada, nessa ansiedade hemofílica, enquanto ele não coagula e me tece com fibra indivisível o Corpo e o Espírito. Esses polímeros que me grudam em coesão divina, sim, são o Paraíso.E então poderei ser Boa ou Má, ser condenada ou canonizada, nunca insossa, nunca pela metade.

6 comentários:

  1. De novo fico impactada. Paralisada pela força do que você escreve. Sinto-me atônita pela crueza das palavras, mas me animo porque no fim vislumbro um fio de esperança. E que final forte: "...nunca insossa, nunca pela metade." Isso é bonito, é assertivo.
    Você tem talento para escrever, indiscutível, não pode parar. Bem-vinda de volta, Giulia.

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  2. Gostei da revolta gramatical. Vc está cada vez melhor! Sinto orgulho de ti.

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  3. Adoraria ter uma sobrinha escritora! O que me surpreende é sua pouca idade para tanta expressão... O quero dizer é que você tem tudo, tudo mesmo para isso. Não falta nada... aliás falta sim, uma pessoa que pegue seus escritos e leve a uma editora.

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  4. Giulia, demorei pra ler o seu blog porque pressentia que devia fazê-lo com o tempo adequado, sem pressa. Estou aqui hoje, atônita diante de tantas palavras bonitas, de tanta sensibilidade e articulação. Seguirei lendo seus posts, entendendo ainda mais que você tem mais um dom, não ignore-o e conte sempre comigo! Parabéns, Dinda.

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  5. Dante vive!
    Viva Giulia; siga em frente sem medo de ser feliz. A felicidade é mais ameaçadora e aterradora que a confortável tristeza.
    Rogo aos deuses para que você continue escrevendo e extravasando sua arte com este estilo tão peculiar. Quando leio seus textos, penso: será que eu conheço esta mulher que habita esta menina? Me sinto orgulhoso de ser um dos seus incentivadores, principalmente de ter assistido de perto o surgimento deste blog tão interessante. Escreva, escreva e escreva!

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  6. Giu, fazia tempo que não visitava teu Kandombléh. Lembro de quando vi as comportas de uma usina sendo abertas pela primeira vez: aquele imenso e plácido lago, aparentando um sossego bucólico, e abaixo o rio quase seco; de repente, abrem-se as comportas e começa a enxurrada, com força incontrolável, interrompendo a calmaria, criando um rio turbulento e modificando definitivamente a paisagem. É o que percebo em você, ao te ler: a cada texto, tão bem escrito, é como se suas comportas fossem se abrindo mais e mais. Você mostra, mais do que domínio, uma intimidade com a língua que lhe permite reverenciá-la de uma forma que poucos conseguem: desafiando-a.

    O que posso dizer é que todo mundo já sentiu, em menor ou maior grau, essa sensação de perambular inadequadamente por um imenso purgatório dantesco, mas poucos o admitem publicamente. Quando você perceber isso, além de ao menos ter algum consolo, talvez conclua que divino mesmo é poder não ser coesa sempre...

    Continue escrevendo e liberando essa torrente. Eu seguirei te lendo e admirando o curso das águas.

    Beijos!

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